quinta-feira, 30 de junho de 2022

GAME OF THRONES E RELACOES DE PODER


Estive relutante por mais de 8 anos em assistir  Game of Thrones, razão talvez por ter alcançado o mainstream e tudo que chega ao ponto do popular me trás um certo asco. 

Mas após a onda de estrondosa popularidade, me entreguei à esta obra meio aos plantões de mais de 24 horas do hospital onde trabalho, e as longas noites sem movimentações na urgência e emergência cardiológica, tornaram-se palatáveis embaladas às crônicas de Westeros. 




Game of Thrones é uma série sobre relações de poder.


Essa foi a resoluta conclusão que cheguei sobre ela, e como de fatos as relações de poder são, intrincadas e emaranhadas cheias de nuances, imersas em um sistema caótico.

O caos para a física é a condição de um sistema onde pequenas alterações podem promover um abalo cataclísmico no resultado final do sistema.

No entanto esse caos não é desordenado.

Tal como em um transito no horário do rush é cheio e aparentemente desordenado, ele segue uma ordem que são as leis de transito. E para os veículos que não seguem as leis, acidentes são passíveis de ocorrer.

Trago o exemplo também das previsões meteorológicas, que buscam encontrar os padrões das correntes de ar para indicar as condições climáticas futuras. A pesar de ser um sistema complexo e caótico ele obedece um certo padrão.

O caos é a apenas uma ordem que nós não conhecemos.


Partilho esse conceito para as relações humanas.


Somos complexos, cheios de ambiguidades e polivalências e trazemos estruturas psicológicas que são o fruto de nossas inúmeras experiências vividas, mas todas seguem um determinado padrão.

Nem bons nem maus, somos a natureza.


A natureza desconhece o conceito de mau.

Uma raposa que mata um coelho para dar de alimento para seus filhotes não é má por que matou o coelho.

Ela é parte da natureza, garante o equilíbrio do ecossistema local.

Entender isso, nos ajuda a tirar a culpa do diabo e pô-la em nós mesmos e em nossas ações.


Mas voltando à série...


Uma crítica ao "revolucionismo"?


Toda revolução tem uma ala conservadora e outra mais radical, da raiz etimológica da palavra radix ou raiz. 

Tal como no livro A Revolução dos Bichos de George Orwell , 1945 - percebo que há um tom de sátira sobre a maneira como normas instituintes sobrepõe as instituídas, como esse processo pode ser caótico e brutal.

Parece ser uma critica conservadora ao "revolucionismo".



Ilustração do Major Porco de A revolução dos Bichos (1945).


Explicando...


Partindo de uma ótica simplista em relação ao poder, podemos observar que há o que é Instituído; ou seja o que já está estabelecido: as normas, cargos, forma de organização, personalidades e estruturas deste poder.


E a norma instituínte, que trás perspectivas inovadoras, movidas pela insatisfação com a norma vigente. 


Vimos ao longo da história diversas demonstrações de como essa transição pode ser agressiva e passível de corrupção  ideológica, à exemplo da república Jacobina, durante a Revolução Francesa. 


Depois de iniciada, a revolução cria vida própria e acaba por vezes fugindo aos objetivos iniciais.


É tomada pelo fulgor da emoção e cai no mesmo buraco dos sistemas anteriores. 


Repetindo o ciclo, com novos (ou mesmos) problemas.


O autor nos leva à crer que nunca haverá um futuro promissor a partir de uma norma instituínte radical.


No entanto é inevitável que surjam movimentos de oposição que busquem fazer ao seu modo.




"O poder reside onde o homem acredita que ele reside"



 "O poder reside onde o homem acredita que reside. 

É um truque, uma sombra na parede. 

E um homem muito pequeno pode lançar uma sombra bem longa." 

Varys, Game of Thrones.



E é nesse cenário que surge, como percebo a influência do poder sobre a condução de um movimento insurgente. 

O poder vem de onde acreditamos que ele está, e para isso o papel do líder parece ser o de inspirar seus seguidores de seus próprios ideais. Relembrar a história, narrar a esperança de um futuro melhor e guiar através do caos das relações humanas um futuro melhor, observando os padrões.


O líder neste caso, passa a ser uma personificação deste ideal, pois ninguém luta por um homem, mas por uma causa.


O líder, assumindo esta incumbência deve se manter atento para não deixar que seus subterfúgios emocionais e desafetos possam interferir em sua nobre missão.


É aí que muitos líderes falham.


É aí que muitos personagens da série caíram, um após o outro; Eddard Stark, Renly Baraheon, Jhon Snow... Poderia falar sobre cada uma das mortes e seus erros como líder, no entanto devo me ater ao tema principal.


O poder não vem do líder diretamente.


O poder vem daqueles que articulam o poder, o líder é apenas um representante daquele ideal e deve ter muito cuidado com quem são aqueles que estão ao seu lado, pois é a partir de seus assessores e agentes diretos que o poder os ideais de uma revolução podem cambiar.


O poder na verdade é uma enorme teia que permeia diversos setores e se agrupa em um sistema caótico de vontades distintas, conjuntas e orbitando um núcleo.


Você que está lendo esse texto, você exerce o poder em diversas esferas da sua vida.


A todo momento.. somos líderes e liderados. Saber alternar isso, entender os papéis que nos cabem e lutar para conseguir o que é nosso é a chave para uma relação pessoal harmônica com o poder.


É a microfísica do poder, tal como Focault defende em seu livro de 1979. As pequenas relações entre nós que estende a teia do poder até em cima.


É o máximo acerto da série. Observar os nuances dessas estruturas de poder que rodeiam o núcleo central da trama, a conquista do trono de ferro de Westeros.




E como que esta enorme teia, cada um com suas influências estabelecem o sistema tal como ele é.


A abertura da série também nos fornece esse insigth, com o Reino se erguendo oriundo de pequenos detalhes que se complementam sob a icônica e tradicional música.


https://youtu.be/s7L2PVdrb_8


Abertura GOT


Cada homem e cada mulher é uma estrela, que compõe o grande sistema da humanidade. 


Seguindo a sua própria órbita, influenciando os astros  mais próximos e também sendo influenciado por estrelas. Em harmonia e por vezes também não, em um sistema na qual a destruição também faz parte para garantir a harmonia natural.